05/05/2011 , 13:40

“SAÚDE NÃO DA LUCRO”

ENTREVISTA Dr.JOSÉ ROBERTO C. DE SOUZA – REVISTA RDM No.155 – ANO 2003 – CUIABÁ – MT

 

Médico diz que o modelo da medicina brasileira é tecnológico e não privilegia a qualidade de vida.

Onofre Ribeiro

José Roberto Campos de Souza, 53 anos, médico há 28, anos paulista de origem mineira, graduou-se na Universidade Federal do Paraná, e especializou-se em Homeopatia, titulado pelo Conselho Federal de Medicina, tem habilitação em Nutrição e Saúde Pública. Trabalha atualmente com temas abrangentes como qualidade de vida e relacionamentos. Atualmente clinica em Campo Grande. Foi o primeiro Médico Homeopata a clinicar periodicamente em Cuiabá, em 1981. Por essa ligação afetiva, veio ministrar palestras e deu esta entrevista a RDM

 

RDM – Existe um paradigma diferente entre os conceitos sobre a vida e sobre a medicina antes e atualmente?

José Roberto – Há poucas décadas, havia doenças degenerativas em muito menor incidência do que hoje, como o câncer, cujo nome nem se pronunciava, tratado como “doença ruim”. Só que era uma doença relativamente rara e acontecia já na quinta ou sexta década de vida das pessoas. Hoje ele está vindo cada vez mais cedo. Há 20 anos atrás a ocorrência do câncer de mama era prevalente acima dos 40 ou 50 anos. Hoje os registros indicam o câncer 20 anos mais cedo.

 

RDM – Isso tem a ver com a medicina ou é um sinal dos tempos modernos?

José Roberto - Um aspecto assustador que está acontecendo e que revela o fracasso do modelo biomédico, está em recente um estudo publicado na Alemanha, mostrando a incidência de osteoporose em crianças na faixa dos 10 a 12 anos. Por detrás, está o excesso no consumo de refrigerantes, principalmente de Coca-Cola, que é antagonista do cálcio.O que nós estamos vendo é antecipação das doenças degenerativas. Antes a pessoa infartava a partir dos 50 anos. Hoje ele já acontece antes dos 30 anos. Disfunção erétil é outro problema que se encontra entre pessoas na faixa dos 20 anos. O diabetes, que incidia a partir dos 30 anos, já aparece em crianças e adolescentes. O Alzheimer, que antes a gente chamava de caduquice, está acontecendo cada vez mais cedo.

 

RDM – Em relação ao modelo biomédico, qual a falha?

José Roberto – O modelo está equivocado, porque não conseguimos responder às grandes questões que são fundamentais na medicina: por que as pessoas adoecem? Quais são as condicionantes do processo das enfermidades? Se não repensarmos esse modelo, que atende muito mais aos interesses econômicos dos grandes laboratórios farmacêuticos, vamos continuar na situação, com tendência de agravamento crescente.

 

RDM – Hoje se diz que as pessoas estão vivendo mais por causa da medicina. É verdade?

José Roberto – A perspectiva de duração da vida aumentou fundamentalmente em função de algumas coisas: as vacinas que reduziram muitas doenças; o advento dos antibióticos, que evitam a morte por doenças infecciosas; os efeitos do saneamento e a disponibilidade de alimentos, que aumentou muito. Hoje nós dispomos de maior produtividade de alimentos e de maior acesso aos nutricientes.Tudo isso contribuiu para o aumento da perspectiva de vida.

 

RDM – Mas isto é medicina?

José Roberto – Não. Isto está muito mais ligado às condições socioeconômicas do que ao papel da medicina propriamente dita. A Universidade de São Paulo publicou estudo recente mostrando que apesar das pessoas estarem vivendo mais, a qualidade de vida piorou. Quem tem 40 anos, por exemplo, de repente tem manifestada alta da pressão, e daí em diante será rotulada de hipertenso e tomará remédios para controle de pressão para o resto vida. Como esses remédios têm efeitos colaterais, tomará mais remédios, resultando em muitas limitações de vida. A pessoa não morre, mas vive infeliz.

 

RDM – Onde começa essa distorção?

José Roberto – Começa na faculdade de medicina, onde estudamos seis anos, depois fazemos uma especialização de até três anos, e passamos todo esse tempo estudando doenças. Porém, não temos um dia sequer de aula sobre a saúde, que é o nosso objetivo. É um paradoxo, porque trabalhamos em cima de uma coisa que nós não conhecemos.

 

RDM – Então, o que é a saúde?

José Roberto – Na definição da Organização Mundial da Saúde, é o completo bem-estar físico e emocional das pessoas. Mas o que isso diz? Ora, nós não aprendemos o que fazer para manter a saúde, que é o nosso objetivo. A expressão medicar, que deriva do latim medicare, significa cuidar. Não é dar remédio. Dar remédio é remediar uma situação que já se instalou e que se pretende controlar.

 

RDM – Como lidar com essa situação diante das grandes doenças que hoje afligem a humanidade?

José Roberto – Qual a perspectiva de curas de doenças como a hipertensão, diabetes, câncer, Alzheimer e todas as doenças degenerativas? É só olhar: o que se faz é só remediar! Em alguns casos de câncer, se consegue curar aquela patologia. Mas as condições que pré-dispuseram à doença e que são anteriores a ela? Isso mostra que nós estamos mexendo só com os efeitos do processo. E cada vez mais, com a proliferação das escolas médicas, deixou-se de privilegiar as clínicas. Temos um grande número de profissionais que saem da faculdade sabendo interpretar um exame sofisticadíssimo, mas muitos não sabem o básico da clínica, como olhar para o paciente e ver, por exemplo, que a pessoa que tem a pele e o cabelo ressecados, tem sinal evidente de carência de ácidos graxos essenciais. Como cérebro é formado em 70% de gorduras, isso interfere diretamente na memória, na concentração mental e em muitas funções cerebrais.Não se pode perder o refinamento da clínica que, lá atrás, era muito incentivado, ensinava-se a raciocinar sobre os porquês das doenças.

 

RDM – Estamos vivendo o conflito entre a medicina e a tecnologia?

José Roberto – Infelizmente, o modelo que nós importamos privilegia a tecnologia.

 

RDM – O médico acaba sendo vítima desse sistema?

José Roberto – Sim, porque com freqüência o paciente chega no consultório e diz que quer fazer um check-up, quer uma ressonância e uma tomografia, sem mesmo saber o que tudo isso representa. Ele quer fazer porque viu na mídia e pressiona o médico a pedir os exames. Se este não pede, corre o risco de ser considerado incapaz e perde o respeito…

 

RDM – O médico acaba sendo comandado por informações?

José Roberto – Claro. O paciente que tem dor de cabeça, vai a um ou dois médicos e, por fim, com medo de um tumor quer uma ressonância do cérebro, ou uma tomografia computadorizada. Isso tem um custo altíssimo que a sociedade paga. Mesmo que ela tenha um plano de saúde, os contribuintes desse plano pagam por esses exames. E tudo isso contribui para aumentar os custos dos tratamentos das doenças sem os resultados efetivos na saúde.

 

RDM – Acabamos na discussão dos custos econômicos da medicina nos planos públicos e privados…

José Roberto – A elevação dos custos é um problema, pois estão ficando tão altos que os sistemas públicos e mesmo os privados não agüentam cobrir. Se não impuserem restrições e limites, ficam inviáveis. Lamentavelmente, o médico não percebe que está sendo vítima desses interesses econômicos por detrás da medicina. O jornal do Conselho Federal de Medicina, em edição recente, questionou a ética dos congressos médicos que são patrocinados, às vezes integralmente incluindo passagens, pelos grandes laboratórios. Claro que o interesse é o lucro do laboratório. Logo, doença dá lucro, para o laboratório.

 

RDM – Qual o lucro da saúde, se é que ela dá lucro?

José Roberto – Saúde não dá lucro. Exceto para a sociedade. Enquanto o Estado não se aperceber que saúde e educação são bens públicos inalienáveis, não se pode mudar. Ou mudamos o enfoque para cuidarmos da saúde, ou cuidaremos da doença, produzindo lucros para laboratório, nesse modelo que está olhando na direção errada, no mundo inteiro, com algumas exceções onde a questão é mais voltada à prevenção.

 

RDM – Mas, como lidar com essa nova leitura de saúde?

José Roberto – A Suíça, por exemplo, um grande produtor de chocolate, tem um programa público que incentiva as pessoas a não comerem doce mais do que uma vez por semana. Quanto maior o consumo de doce, maior a incidência de diabetes, já amplamente comprovada pelas estatísticas. Então, o modelo suíço é para diminuir os custos da saúde, porque tratar um diabético, portador de uma doença crônica e degenerativa, tem um custo social altíssimo.

 

 

RDM – Aí saímos da questão social e econômica para as questões da saúde?

José Roberto – Lá na infância, a gente ia a uma festa e recebia uma única garrafinha de guaraná, mesmo assim, as festas eram uma ou duas vezes no ano.Era raro encontrar um diabético, ao contrário de hoje. A obesidade infantil nos Estados Unidos aumentou 20% em 10 anos. No Brasil, no mesmo período, aumentou 240%.

 

RDM – Quem é o culpado?

José Roberto – É a alimentação de baixa qualidade. Esse é o problema. O Brasil gastou, em 2001, 1 bilhão e 700 milhões de reais com as doenças decorrentes da obesidade. Os Estados Unidos gastam perto de US$ 100 bilhões por ano, porque as doenças ligadas à obesidade estão diretamente ligadas ao infarto, derrame, câncer, diabetes, trombose venosa profunda e ao próprio processo de envelhecimento. O governo dos Estados Unidos tentou um controle dos fatores de obesidade, por causa dos custos, e o “excesso de liberdade” acabou barrando. A pessoa se dá ao direito de fumar e desenvolver um câncer de esôfago ou de pulmão, e depois quem paga a conta do seu tratamento é a sociedade que não fuma.

 

RDM – Então, qual é o grande paradoxo da saúde no Brasil?

José Roberto – Um aspecto fundamental é rever a educação. Na segunda guerra mundial, a Noruega ficou isolada pelas tropas do Eixo. Criou-se algo como um ministério extraordinário da alimentação. O ministro tomou algumas medidas radicais, como a morte de todos os animais como vacas, porcos e estocou a carne, porque na taxa de conversão, eles consomem muito mais alimento do que o retorno em carne. São economicamente inviáveis, porque onde se alimenta uma vaca, se alimentam 30 pessoas. Com isso, morte de todos os animais que dependiam de ração e de alimentos passíveis do consumo humano, cessou também a produção do açúcar, que lá é de beterraba. Aí, direcionou todos os cereais para o consumo in natura e integrais. Por exemplo: em vez do açúcar, consumia-se a beterraba. Nesse período, que durou dois anos, a incidência das doenças como diabetes caiu a quase zero, assim como as mortes por câncer, por infartos e por derrames.

 

RDM – O que isso quer dizer na prática atual?

José Roberto – Que nós temos que repensar o nosso conceito de saúde.

 

RDM – Como se mantém a saúde, diante da sua importância?

José Roberto- Em primeiro lugar, a adequada manutenção, com controles diversos via cuidados e alimentação. Veja o cuidado com as gorduras trans, hoje vilãs indiscutíveis. Aí vem a omissão do Estado na informação da sociedade. Limites só, não adiantam. O cigarro é outra questão gravíssima. A bebida alcoólica, responsável pela quase totalidade dos acidentes no trânsito e nas mortes violentas, com custo social altíssimo. Para cada real que o governo arrecada em impostos com o álcool, ele gasta cerca de 70% mais com as doenças decorrentes do alcoolismo. A sociedade toda paga para o indivíduo que bebe.

 

RDM – Onde entra a atividade física?

José Roberto – É um aspecto que as pessoas negligenciam, assim como controle do stress, aprendendo a ter repouso e equacionar tudo isso. A única coisa que sobra são os fatores genéticos, que podem ser controlados, se sabemos deles. Algumas são de tendência familiar, por exemplo, como o diabetes, entre outras. Pode ser que mesmo essa genética resulte da perpetuação de hábitos,  dos maus hábitos herdados.

 

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